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terça-feira, 19 de agosto de 2008

'Cérebro Líquido'

 Não costumo reproduzir textos de outras pessoas, mas esse achei muito bom e não pude deixar de postar aqui. Boa leitura!
Por Mário Persona

O médico disse que meu cérebro é 80% água. Será que é por isso que meus pensamentos fluem em um turbilhão de idéias geradas por ondas cerebrais? Pode ser. Ele disse que não preciso andar com tampões nos ouvidos, porque não existe perigo de vazar.

Mesmo assim fiquei preocupado. Dizem que vai faltar água e eu fico pensando se com isso vão faltar cérebros. Ou será que é a falta de cérebros que vai fazer a água desaparecer do planeta? Pode ser, e aí
vamos sentir saudade.

Não que o excesso de água não seja um problema. Quando a banheira do vizinho do terceiro andar rachou, pensei até em abrir um pesque-pague em meu corredor. Fez lembrar da outra vez, quando o reservatório do aquecedor do quarto andar explodiu e escaldou o terceiro e o meu. Precavido, resolvi eliminar a banheira e o aquecedor de meu apartamento, e voltei ao velho e bom chuveiro elétrico. Já viu o tanto de água que uma ducha gasta?

Se você for à Europa, pode dar adeus a esse seu banho de caminhão-pipa instalado no teto do banheiro. Lá o chuveiro não esguicha água, solta neblina. Quando eu disse que ia tomar banho, vi a família da casa européia onde estava hospedado trocar olhares de apreensão. Perguntaram-me três vezes se era isso mesmo que eu queria. Conheciam a fama do brasileiro, que gasta cinco vezes mais água do que a quantidade recomendada pela Organização Mundial de Saúde, metade só no banho.

De volta ao Brasil, fiquei em um hotel desses modernos e econômicos. Tudo é mínimo, até a TV é pouco maior que a tela de meu celular. Meu passado de arquiteto achou o modelo inteligente, mas só até a hora do banho. A ducha era de tirar o couro cabeludo, por isso abri só um pouquinho para evitar que meus neurônios saíssem pelo ralo. Afinal, um dia vou precisar daquela água para umedecer meus pensamentos.

O botão da descarga é outro vilão do desperdício. Uma privada antiga gasta de 12 a 15 litros de água,
enquanto as modernas usam seis litros ou até menos. Em outro hotel vi uma idéia que pretendo adotar na próxima reforma do banheiro. Uma caixa de descarga com dois botões: um para grandes obras e outro para pequenas iniciativas.

Como água é um recurso finito, e a que vai embora é a mesma que irá reabastecer 80% de meu cérebro no futuro, hoje penso duas vezes antes de apertar o botão do adeus. Considero uma insensatez disparar as Cataratas do Iguaçu quando o que vou lançar ao mar às vezes não passa de um mini-submarino. Um leve toque é suficiente para despedir o submersível.

Mas nem todo mundo pensa assim. A preocupação com a pressão do botão evidentemente vai depender da quantidade de massa cinzenta de cada um. Uma coisa, porém, é certa: as longas despedidas só farão aumentar a saudade.

(Texto retirado da 'Weg em Revista', disponível em http://www.weg.net/br)